Se Kant, então na mais alta honestidade sem preguiça inteligível e sem covardia moral, como Kant assegura em “o que é esclarecimento?”: “Preguiça e covardia são as causas, porque uma parte tão grande das pessoas, após terem declarado a natureza livre de condução alheia, ainda assim permanecem durante toda vida dependentes[1].”
Se Kant, então na mais alta honestidade como ensejo para a derradeira honestidade sobre a situação do mundo moderno, que na luz do esclarecimento de Kant demonstra todos os sintomas de seu abalo, quando não de sua obsessão, por “forças mortas” (veja o primeiro artigo de Kant: Da verdadeira estimação das forças vivas) e se meteu na dinâmica perversa do fim de todas as coisas (veja o texto de Kant: o fim de todas as coisas), o que a pandemia do covid também comprova. As dinâmicas de afastamento se agravaram não somente militar-politicamente, mas também como fronteira de sobrevivência biológica-orgânica.
Deve-se pontuar, contudo, que Kant apesar de seu cosmopolitanismo é sobretudo um filósofo alemão, não um sucessor de Kung-tzu como na China, não um pensador Sankhya como na Índia, não um confessor da sofiologia como muitos na Rússia etc, embora Kant tenha demonstrado de forma admirável um certo parentesco com todos este sistemas de pensamento e também com outras tentativas sobre a honestidade última, como por exemplo com “The Conscious Mind” (1996) de David Chalmer ou com “Mind and Matter” de Erwin Schroedinger. Kant é, todavia, sobretudo um filósofo alemão e assim uma grande censura para a grande cultura, que demonstra nas últimas décadas uma inconcebível inclinação perversa e sobrenatural para uma nova perda da capacidade do verdadeiro juízo (veja a Crítica da faculdade do juízo de Kant).
Eu posso [usar] essa palavra dura, autorizado pelo direito do amor. É que eu amo Kant e amo a Alemanha, onde eu achei amigos não apenas no passado – Lessing, Goethe, Schiller, Hamann, E.T.A. Hoffmann entre outros –, mas também no presente, os “amigos de Kant” inclusos. E o amor convoca a uma honestidade especial, que Kant também demonstra em seu juízo sobre o mal radical na natureza humana (veja a Religião nos limites da simples razão de Kant), o que escandalizou até seus grandes contemporâneos, como por exemplo Goethe e Schiller. Como russo amante de Kant, que, no entanto, não dispensa o pensamento cosmopolita, quero nos lembrar a todos na dramática dinâmica geopolítica, quais forças vivas libertaram a Alemanha do mal radical da força morta do fascismo hitlerista apesar da tragédia interna na então Rússia soviética.
O século anterior e o presente comprovam, o que o americano mundialmente conhecido Francis Fukuyama anunciou em seu tratado “The end of history and the last man” precisamente – que a história teria acabado. É verdade, a humanidade entrou em uma metahistória difícil de conceber e compreender. Eu sou, contudo, estritamente contra o “last man” de Fukuyama, que de acordo com sua avaliação é uma biomassa pseudo-determinada pela natureza com características freudianas. O poeta Hölderlin uma vez descreveu Kant como “Moisés do povo alemão” com uma alusão transparente à escravidão destes por quimeras inebriantes da crença natural cega e pela traição consciente ou inconsciente da lei da liberdade.
A civilização moderna foi enganada por sua noção dominante de liberdade baseada no moderno bom senso humano suicida do qual Kant continuamente alertava. Kant é uma alternativa realista para este suicídio auto-infligido. E quando o presidente russo Vladimir Putin assina o decreto para a fundação da Universidade Immanuel Kant na russa Königsberg-Kaliningrad em 2005, ele demonstra consciente- ou inconscientemente, que a ideia de liberdade russa tem um grande parentesco com Kant. Quer dizer, Kant é uma boa alternativa para o “last man” e para a paz perpétua no cemitério da espécie humana. E Kant permanece uma força viva sóbria para o juízo crítico europeu na busca por um caminho para a verdadeira união dos povos e a paz perpétua. Sem a Rússia contudo, sem uma parceria estratégica com a Rússia, para a qual a Rússia está sempre aberta, este caminho é impossível.
Saudação de Prof. Wladimir Gilmanov pelos 297 anos de Kant no dia 22 de abril de 2021*
* Traduzido do alemão por Klaus Denecke Rabello, doutor em filosofia pela PUC-Rio
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